Descrição
Ser sustentável está na moda. Às vezes, literalmente. Adidas e Nike lançaram seus modelos feitos a partir de plástico reciclado e a estilista Stella McCartney e a marca de luxo Hèrmes usam couro de cogumelo em suas peças. Como em todo hype é comum que algumas empresas queiram participar da conversa, mesmo sem ter as tais práticas sustentáveis. Nesse cenário surge o greenwashing.
O greenwashing é um termo em inglês que pode ser traduzido como “lavagem verde” e é praticado por empresas, indústrias públicas ou privadas, organizações não governamentais e até governos. Era, basicamente, uma estratégia de marketing, de promover discursos, ações e propagandas sustentáveis que, com o perdão do trocadilho, não se sustentam na prática. Mas o termo vai muito além disso agora.
Com a agenda ESG, sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança, na moda, as empresas têm buscado mostrar que estão na linha – mesmo que algumas delas não estejam. Um caso recente e emblemático de greenwashing aconteceu em 2015, por exemplo, quando a automobilística Volkswagen foi envolvida em um escândalo de falsificação de resultados de emissões de poluentes em motores a diesel. A montadora admitiu que usou um programa de computador para burlar inspeções de 11 milhões de veículos no mundo. O resultado? O presidente da empresa pediu desculpas e renunciou ao cargo, a companhia fez um recall de 8,5 milhões de unidades e a empresa teve seu primeiro prejuízo em 15 anos.
Para Rodrigo Viñau, sócio-lider da consultoria Mazars, os casos assim criam um problema de imagem e credibilidade para as companhias. “O pior é que, em alguns casos, as empresas até têm algumas ações interessantes, mas tudo deixa de importar quando se perde a credibilidade”, afirma.
Rodrigo explica que o termo começou, de fato, como uma preocupação de marketing para as empresas se inserirem no contexto da sustentabilidade. “Algumas empresas perceberam que sustentabilidade estava ‘na moda’ ou precisavam se adequar a novas regras e começaram a divulgar pequenas ações. Mas com um olhar mais atento, ficava claro que nada daquilo fazia parte da cultura da companhia”, diz. Ele cita o exemplo de companhias que nunca demonstraram preocupação com o meio ambiente e, de repente, lançavam produtos biodegradáveis, com matéria-prima de origem controlada e várias outras “etiquetas”. O produto, contudo, costumava ter baixa representatividade no faturamento da companhia e nenhum outro item tinha o mesmo grau de responsabilidade. “Nesse caso, podemos chamar a situação de greenwashing: a empresa criou um produto como se fosse uma bandeira para tentar vincular sua marca a essa tendência, mas ela não é representativa de verdade, “explica Rodrigo.
Ele cita outros exemplos, como empresas têxteis que se posicionam como companhias com responsabilidade ambiental e social, utilizam a temática em propagandas, mas não possuem, de fato, processos de governança que permitam a verificação das ações. “Às vezes, a empresa pode adquirir os produtos de terceiros, de fornecedores que usam práticas de violação de direitos humanos e esconde o fato. Ou, no caso das companhias muito grandes, acaba usando seu tamanho para estrangular as margens de pequenos fornecedores”, diz.
Monica Kruglianskas, coordenadora e professora de sustentabilidade na FIA Business School, relembra que o termo greenwashing existe desde os anos 1980 e avalia que ele acaba acontecendo com empresas sem uma agenda ambiental verdadeira mas, não necessariamente, com o intuito de enganar o público. “As empresas precisam, primeiro, identificar quais são as áreas que têm capacidade de contribuir para agenda ambiental. Mas esse diagnóstico é muito mal feito e é bem comum que as companhias acabem querendo fazer ‘de tudo um pouco’. O público sente que não tem uma reflexão profunda ali. Não dá para reduzir o tamanho da embalagem e falar que é uma ação de sustentabilidade porque todo mundo sabe que é uma questão de custo para a empresa”, exemplifica. Para ela, a época das ações simples já passou. E questiona: “você compraria uma roupa de uma empresa que diz que é sustentável só porque começou a reciclar o lixo do escritório?”.
“Ninguém é 100% sustentável. Mas mostrar que está melhorando, se aperfeiçoando e buscando um caminho, já passa uma mensagem positiva para os consumidores”, diz Monica Kruglianskas.
Do lado das empresas, para não cair no greenwashing, Monica sugere um amplo estudo. “Precisa medir seu impacto, as emissões, o tratamento da água, o uso de recursos. Depois partir para a eficiência dos processos e, por último, comunicar. Mas essa receita dá trabalho. Então as empresas preferem pular para o relatório de sustentabilidade e fica a sensação de greenwashing”, diz.
De acordo com ela, que é doutora em sustentabilidade e reputação corporativa pela Universidad Autonoma de Barcelona, o que as empresas precisam é contar o que já foi feito e não ficar falando só do que pretendem fazer. “Ninguém é 100% sustentável. Mas mostrar que está melhorando, se aperfeiçoando e buscando um caminho, já passa uma mensagem positiva para os consumidores”, diz Monica.
A preocupação em aderir a práticas ambientais não é (somente) uma questão de consciência. É seguir o caminho do dinheiro. “Ser ESG está muito relacionado à alocação de capital”, diz Rodrigo Viñau. As empresas têm buscado se adequar às práticas para que tenham acesso a um capital abundante que está procurando investir em empresas com agenda ESG. “Nesses casos, empresas de setores que são reconhecidos como de maior impacto, como de energia e saneamento, podem sair na frente. Mas não só isso. Fundos verdes, que buscam empresas com responsabilidade e instituições como bancos mundiais, direcionam crédito para esse tipo de empresa”, diz Rodrigo. Ele afirma ainda que tem observado uma busca por empresas com práticas sustentáveis. “O capital do mundo está procurando empresas com práticas sustentáveis”, diz Rodrigo.
As dificuldades de mensurar ações sustentáveis
Como saber se uma empresa tem práticas sustentáveis ou está praticando greenwashing? O que, de certa forma, facilita essa confusão é a abrangência do termo ESG. “Quando vamos falar de ESG, estamos falando de um monte de coisa”, diz Claudia Yoshinaga, coordenadora do centro de estudos em finanças e do ESG Investing da FGV. Para ela, esse é um termo que pode englobar desde pauta climática e emissão de carbono até reciclagem e uso consciente da água. “Quando o conceito é tão aberto assim, é muito fácil uma empresa dizer que é ESG. A empresa pode fazer o mínimo, tirar copinhos plásticos da copa, por exemplo, e se ‘vender’ como uma empresa ambientalmente consciente”, afirma Claudia. É desse universo de possibilidades que surge a ideia do greenwashing. “É uma enganação que as empresas podem tentar fazer para parecer mais sustentáveis do que realmente são. Clientes e investidores não conseguem perceber de imediato porque o trabalho de fiscalização também é complexo”, afirma Claudia.
Quando uma empresa usa a etiqueta de ESG, não existe uma obrigação de falar tudo que faz. “Não é como em um rótulo de um produto, que a empresa precisa declarar todos os ingredientes, na ordem de quantidade”, diz. Combater esse tipo de prática exige investigação por parte instituições e veículos de mídia por um lado, e um olhar atento de analistas do outro. “O tema ESG está mais ‘quente’ recentemente, então os analistas financeiros precisam olhar para essa dimensão também e ter em mente que cada uma das letrinhas que compõem essa sigla vai ter um tamanho diferente em cada empresa. Não dá para comparar as práticas de uma mineradora com uma varejista, por exemplo”, registra Claudia.
Como não cair no greenwashing, como consumidor ou como investidor
Que este é um mercado interessante para participar como investidor (ou consumidor), é possível entender. Mas como encontrar investimentos sustentáveis?
Primeiro, sabendo que nem todo fundo que se autoclassifica como ESG seguia, necessariamente, algumas regras básicas. A boa notícia é que as práticas ruins estão sendo desvendadas e está custando cada vez mais caro para quem tiver um discurso diferente da prática.
Tentando colocar ordem na casa, a ESMA, Comissão de Valores Mobiliários Europeia, compartilhou sua visão sobre os desafios relativos à ratings e ferramentas de avaliação. Seguindo a mesma linha, a Iosco (International Organization of Securities Comissions, uma asssociação internacional das CVMs) soltou três diretrizes globais mirando as gestoras de fundos e as empresas de rating e dados ESG, com recomendações para a elaboração de padrões e divulgação de informações. As diretrizes são uma resposta global mais recente ao greenwashing. Antes disso, no começo do ano, a comissão de valores mobiliários da Europa pediu ao parlamento que crie uma lei para regular o rating ESG.
O CFA Institute, por sua vez, divulgou em novembro seu ‘Global ESG Disclosure Standards for Investment Products’, que estabelece parâmetros de transparência que os gestores poderão seguir. E algumas gestoras já tomaram o assunto para si, como é o caso da BlackRock que, a partir do ano que vem, incluirá uma espécie de termômetro “verde’ em seus fundos.
No Brasil, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais, a Anbima, publicou na primeira semana de dezembro, novos critérios para identificar fundos de investimento sustentáveis. As novas regras incluem não somente o cumprimento de diversos critérios aplicáveis ao fundo, mas também requisitos para a gestora. Foi priorizada, ainda, a adoção de regras que estabelecem princípios a serem seguidos pelas casas e foi criado um novo sufixo IS (Investimento Sustentável) para os fundos que estejam alinhados. As regras entraram em vigor no dia 3 de janeiro de 2022 e os fundos terão 12 meses para se adaptarem.
Para Claudia Yoshinaga, que é PhD em finanças, a forma de resolver isso é por meio de uma cobrança da sociedade por práticas mais sustentáveis. “Por outro lado, também é importante que haja mais disseminação de conhecimento. Há muito mais de sustentabilidade a ser feito do que eliminar copo plástico”, diz. Para ela, a mudança não vai vir só das empresas, mas da pressão que o dinheiro (em forma de investimento ou consumo) tem.
Segundo Monica, a solução para não cair no greenwashing está em uma palavra: dados. Na verdade, em duas, porque ela inclui ciência também. “Tanto os governos como as empresas e instituições estão olhando para a ciência em busca de dados. Toda a agenda da COP foi baseada em dados científicos. Os objetivos são chamados inclusive de ‘science based targets’, ou objetivos baseados em ciência, em tradução livre”, diz. Mas não é ‘qualquer’ ciência, é preciso buscar fontes confiáveis. E acreditar na ciência, funciona tanto para consumidores, como para investidores.
Steve Bullock, líder do time de Inovação e Soluções ESG na S&P Global Sustainable1, faz coro. Ele acredita que o plano para salvar o mundo das mudanças climáticas passa pelos dados. Mas podemos confiar nesses dados? “Cada vez mais empresas estão dispostas a abrir seus dados – e os consumidores e investidores querem essas informações. Para isso, uma das possibilidades é reforçar e revelar o maior número de dados possível, cobrindo cenários e análises como riscos para o mundo”, afirma.
Para ele, um dos fatores mais importantes é o estabelecimento de metas baseadas em ciência que podem ser acompanhadas e mensuradas. “Há instituições e empresas falando da Ambição Net Zero, este é um programa de aceleração que visa desafiar e apoiar empresas integrantes do Pacto Global da ONU para que estabeleçam metas climáticas ambiciosas, alinhadas à ciência, e integrem o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 13 (Ação Climática) e os objetivos do Acordo de Paris em suas estratégias de negócio”, afirma.
De acordo com Bullock, a S&P, como provedora de dados, tem trabalhado em conjunto com companhias para ajudá-las na “divulgação” de suas informações. “Para as companhias, pode ser um desafio particularmente ao pensar no impacto de suas cadeias logísticas. Existem modelos, dados e tecnologia para ajudar essas empresas na divulgação. Mas o engajamento é importante para preencher os espaços”, afirma.
O TFCD (Task Force on Climate-Related Financial Disclosure) surgiu como uma iniciativa que busca a elaboração e implementação de recomendações para a divulgação e análise de riscos e oportunidades relacionados às questões climáticas, justamente como forma de combater o greenwashing. “Usando essa premissa você pode se sentir mais confiante ao tomar suas decisões como consumidor e investidor”, diz Bullock.
No nível de fundos de investimento, é possível saber como esses fundos estão se reportando a isso na Europa. No Brasil, especificamente o Banco Central é, desde 2020, instituição apoiadora (supporter) da Task Force on Climate related Financial Disclosures (TCFD), cuja criação, em 2015, atendeu à solicitação do G20 para que fossem considerados os riscos à estabilidade financeira associados a mudanças climáticas no escopo do Financial Stability Board (FSB).
Para promover a divulgação voluntária de informações financeiras relacionadas ao clima — que sejam consistentes, comparáveis, confiáveis, claras e eficientes —, a TCFD emitiu em 2017 recomendações a serem utilizadas por empresas, financeiras e não financeiras. A adesão voluntária em nível global às recomendações da TCFD pode prover, aos investidores, credores e seguradoras, informações úteis à avaliação e precificação apropriadas dos riscos e oportunidades associados à evolução do clima.
“Enquanto existe, por um lado, um desafio grande para as companhias, por outro, existe uma grande oportunidade de assumir a liderança nesse caminho”, diz Steve Bullock.
Com isso, o BC tornou mandatório que outros bancos passem a aderir a práticas de transparência e risco pela perspectiva climática. “Enquanto existe, por um lado, um desafio grande para as companhias, por outro, existe uma grande oportunidade para as empresas mostrarem liderança nesse caminho”, diz Bullock. Nessa corrida pela sustentabilidade, o mundo inteiro pode sair ganhando.
[Fonte: www.infomoney.com.br]